Por que um corrupto não sente culpa? Será doença psiquiátrica? Falta de
lítio? De superego? De vergonha?
O que se passa na cabeça de um político ladrão? Você já parou para
pensar nisso? De que maneira ele se justifica diante do espelho? Que ginástica
mental ele realiza para encostar a cabeça no travesseiro e pegar no sono? Como
consegue paz de espírito para usufruir da lancha que roubou do hospital, do
conversível de luxo que afanou da merenda escolar, da mansão em Miami que
surrupiou dos aposentados?
Já sabemos que a maior parte dos corruptos prima pelo mau gosto. Gosta
de apartamentos de pé-direito duplo em edifícios neoclássicos. Arremata
coberturas atulhadas de vidro blindex. Só compra obras de arte (feias, no mais
das vezes) para lavar dinheiro. Engole vinhos caríssimos sem saber a diferença
entre branco e tinto, manda importar aparelhos de som de US$ 100 mil e nem
desconfia da frequência que separa um acorde em sétima de um harpejo com uma
nona intercalada. Corruptos viajam de primeira classe para visitar igrejas das
quais não sabem o nome e contratam prostitutas pelas quais se apaixonam pelos
motivos errados. Fumam charutos raros puxando a fumaça com força e acham que
são gente simples porque falam palavrões. À sua falta de modos, dão o nome de
autenticidade.
O mais incrível é que corruptos acreditam, e acreditam piamente, que
trabalham pela felicidade do povo que os elege. Isto posto, eles roubam, roubam
às fartas, roubam como um hipopótamo que gargalha sobre uma poltrona de couro
“premium”. Roubam porque é assim que é, porque é assim que sempre foi, porque é
assim que funciona. E, até que a solidão venha surpreendê-los na antessala da
morte, num desvão de esquecimento ou numa cela de cadeia, dão de refestelar-se
no alheio com sua alegria infantil.
Agora é com você. Qual seu palpite? O que se passa na cabeça desse tipo
tão comum na cena brasileira? Por que é que ele não tem nenhum drama de
consciência? Por que não sente culpa? Terá sido acometido de uma doença
psiquiátrica? Será falta de lítio? De superego? De vergonha? O que você diria?
Na falta de uma descrição científica dos autoenganos que mantêm de pé a
autoestima das autoridades desonestas, segue uma tentativa sumária de listar as
justificativas mais prováveis. Vamos lá.
1. “Eu preciso guardar algum para o advogado.”
“Fazer política no Brasil sem ser processado no futuro é impossível”,
alega o corrupto em seus momentos de recolhimento estratégico. “Se vou ser
processado por trabalhar como eu trabalho em nome do bem comum, não é justo que
eu tenha de pagar o advogado do meu bolso. Preciso fazer um caixa para me
defender. É só uma questão de justiça.”
2. “Não há mal nenhum em aceitar um presentinho, um mimo, depois de tudo
o que fiz pelo Brasil.”
“Graças a mim, a economia deslanchou, as exportações aumentaram, milhões
de empregos foram criados, veja bem, diante de tanta riqueza, esse presente que
estão me dando tem um valor meramente simbólico, isso é troco, não vai fazer
diferença para ninguém. Fora isso, minha família merece um pouco de conforto
depois de tanto sacrifício.”
3. “Meus correligionários dependem de mim, e eu não vou deixá-los na rua
da amargura.”
“Não é por vaidade ou por ambição que vou arrecadar. Quer saber? Eu
tenho o dever moral de fazer esse pé-de-meia. Não é para mim. Além das minhas
despesas, que são muitas, existem as despesas dos que sempre me apoiaram e que
não podem ficar à míngua. Eu não vou abandoná-los no acostamento. Agora, que
tenho o poder, é hora de pensar no futuro dos meus seguidores fiéis. Se eu não
tiver negócios que os sustente amanhã, o que vai ser deles?”
4. “Alguém vai roubar de qualquer jeito. Melhor que esse dinheiro venha
para nós.”
“Ah, vá. Vem dizer que você não conhece o Brasil? A política brasileira
é corrupta até a alma. Se não mudarmos a legislação eleitoral e o financiamento
de campanha, ela nunca será debelada. A caixinha vai existir de qualquer jeito.
Se nós não pegarmos isso para nós, esse dinheiro vai para os nossos inimigos,
que são os inimigos do povo. Então, vamos usar o sistema a nosso favor para
depois derrotá-lo.”
5. “Não existe dinheiro mais honesto do que o meu.”
“Uma pessoa com a minha competência, com o meu trânsito, com o meu
prestígio, se estivesse na iniciativa privada, estaria ganhando no mínimo dez
vezes mais. O que é que um vice-presidente de multinacional tem de melhor do
que eu? E, depois, que fortuna neste país foi construída com trabalho honesto?
Francamente, o dinheiro que recebi pelos enormes favores que prestei é muito
mais honesto e muito mais suado do que o dessa elite branca. Desonesta é ela.”
Eugênio Bucci, Época, 15/02/2016,08:02 hs
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